Trabalho
apresentado pelo aluno Gabriel Pacheco ao professor Afonso
de Albuquerque
como avaliação final da disciplina Ficção
Seriada Televisiva 2
no semestre 2013.1 do curso Estudos de Mídia na UFF.
Smallville
e
Arrow são séries de televisão
exibidas,
originalmente, pelo canal americano The
CW
Television Network.
Ambas compartilham um mundo narrativo, a princípio, semelhantes: a
primeira conta a história da adolescência de Clark Kent, o
Superman,
das histórias em quadrinhos da DC
Comics;
a segunda se baseia na vida do Arqueiro Verde, também um personagem
de
HQ
(História
em Quadrinhos)
da
DC Comics.
Quais são suas semelhanças e diferenças? Assistindo ao episódio
piloto das duas séries é possível perceber grandes
diferenças no
conceito
narrativo
das
séries, contudo,
Arrow foi anunciado como “o novo Smallville”. Então por quê
tantas diferenças?
Antes
de examinar os episódios das séries, é preciso entender o cenário
político
e mercadológico em
que estão inseridas. Smallville teve seu primeiro episódio exibido
no dia 16
de Outubro de
2001 (pelo canal The
WB Television Network,
um
pouco
depois virou CW),
exatos trinta e cinco dias após o atentato terrorista de 11 de
Setembro. Superman
é um herói tradicionalmente associado a Nova Iorque
(Metrópolis,
cidade em que o herói trabalha, é reconhecida como uma analogia à
New
York)
e
em
suas batalhas
geralmente
há destruição
de
cidades causadas
por vilões
alienígenas e/ou
terroristas.
Em uma sociedade recentemente
traumatizada por
um atentado terrorista,
tais
fatores
poderiam gerar
desconforto ou
rejeição.
Outro
fator importante é a crise financeira vivida pelo mercado americano
de HQ.
Em 2001, o mercado estava vivendo um processo de reformulação
tentando desvincular a ideia de histórias de super heróis do
público infantil. Havia uma forte
recessão
das vendas e a
era de ouro dos quadrinhos, período entre 1930 e 1940, não dava
sinal de voltar. Era preciso propagar a imagem dos heróis em outras
mídias e
atingir públicos mais adultos.
No
cinema, os super heróis também
não viviam seus melhores momentos. O
Fantasma
(1996),
Batman
e Robin
(1997)
e
Spawn,
o Soldado do Inferno
(1997) são algumas das adaptações negativamente lembradas pelo
público. Os
mutantes
da
Marvel
Comics ajudaram,
um
pouco,
a aproximar o público do
cinema novamente
com
às
histórias
em quadrinhos
com X-men:
O
Filme
(2000).
O
próprio Superman beirava o esquecimento nos cinemas; o último filme
lançado foi Superman
IV: The Quest for Peace (Superman IV - Em Busca da Paz) dirigido
por Sidney J. Furie e lançado em 1987.
Entretanto,
Smallville foi bem recebida pelo público; a
primeira temporada obteve
uma média de 5.9 milhões de telespectadores – sendo o episódio
piloto o mais assistido com 8.4 milhões. Smallville
foi a série perfeita para estrear nesse cenário
americano; seu enredo
fundamentado no cotidiano adolescente
de um garoto do campo, sem nenhum contato com a cidade grande,
atingiu
um público acostumado com esse formato visto
em Dawson`s
Creek, Barrados
no Baile e
Buffy,
a caça-vampiros.
O
seriado tira o foco das
catástrofes
terroristas
vividas
pelo herói nos quadrinhos e se
prende em dilemas da adolescência. O episódio piloto será
analisado mais profundamente a seguir, mas basicamente trata de
apresentar como ocorreu a chuva de meteoros –
que trouxe Clark Kent
ainda garoto em uma nave junto com restos de seu planeta natal –
mostrar Clark adolescente e a relação dele com os pais, amigos e
seu amor platônico
por Lana. É fácil notar que o foco da série não são os poderes
do Superman,
mas sim a relação dele
com as pessoas; seu caráter e personalidade ocupam mais tempo de
vídeo
do que a descoberta de
seus
poderes ou a
luta contra
inimigos. Em
13
de maio de 2011, Smallville
lançou
seu episódio final completando dez anos e dez temporadas de série.
Uma
série que dura dez temporadas
não precisa de comprovação de sucesso além
da própria duração. O que nos direciona para Arrow, a série que
ocupou o espaço deixado pelo fim de Smallville. Para
Derek Johnson, franquia de mídia é uma “propriedade intelectual,
cuja implantação de um mundo imaginário através de diferentes
espaços de mídia é feita por meio de uma série de linhas de
produtos, estruturas criativas e/ou nós de distribuição, geridas
ao longo do tempo.” (JOHNSON, 2009, p. 25) Ou
seja, é possível considerar Arrow e Smallville pertencentes a um
grupo de franquia de mídias, pois se tratam de séries oriundas da
mesma fonte (HQ
da DC
Comics)
e exibidas no mesmo canal (CW).
Usando
uma terminologia mais frequente no meio dos fãs, o Arqueiro Verde e
o Superman dividem o mesmo Universo,
ou seja, nos quadrinhos, há inúmeras citações e aparições de um
super herói na história de outro, inclusive dividindo espaço na
Liga da Justiça – HQ
que reúne diversos heróis e vilões da DC,
existem
diversos
filmes animados e desenhos da
Liga da Justiça feitos
para televisão.
Mas
por quê
criar
uma série com o personagem
Arqueiro Verde para substituir
uma do Superman?
Eles
são praticamente opostos: Superman é um
alienígena
quase invulnerável, suporta frio e calor extremos,
é super forte, super veloz, tem visão de raio-x... sua única
fraqueza é amar uma humana e o contato com uma pedra rara vinda do
seu planeta natal. Já o Arqueiro Verde é um jovem herdeiro de uma
fortuna que ficou preso em uma ilha e teve que aprender a lutar e
atirar flechas para sobreviver, não tem nenhum super poder, pelo
contrário, sua principal arma é um arco e flecha para evitar o
combate corpo a corpo.
Segundo
Jenkins economia afetiva é “entender os fundamentos emocionais da
tomada de decisão do consumidor como uma força motriz por trás das
decisões de audiência e de compra” (JENKINS, 2008, p. 94). Como
economia afetiva podemos, então, considerar: um esforço para
entender o que leva o consumidor a se envolver com tal produto e consumí-lo e usar esse conhecimento no planejamento estratégico na
promoção ou do próprio conteúdo do produto. Simplificando,
entende-se a necessidade emocional do consumidor e cria-se um produto
para saciá-la. É preciso conhecer os desejos do público-alvo ao se
lançar uma série; como Arrow, teoricamente, é feito para o mesmo
público que Smallville (jovens e adolescentes), a pergunta se
mantém: por que não continuar apostando no melodrama juvenil? A
resposta para essa questão é o cenário político e mercadológico
em que a nova série está incluída.
Em
2013 a ameaça terrorista já não é tão forte nos Estados Unidos –
por mais que haja um Estado em constante vigilância – e a fase de
“não vamos tocar nesse assunto” já passou. Não há mais
resistência do público em assistir filmes e séries sobre atentados
terroristas, pelo contrário, o que se observa é o aumento (e
sucesso) de filmes de super heróis que lidam com problemas do mundo
“real”. O filme Batman Begins do diretor Christofer Nolan
(2005) inaugurou uma nova tendência estética nos filmes de super
heróis; nesse filme, há um esforço de se construir um Universo
crível, ou seja, não há a tradicional estética fantasiosa
associada a personagens de HQ em que heróis e vilões
utilizam super poderes e armas inviáveis no mundo real. Esse
conceito fez tanto sucesso que o diretor conseguiu fazer mais dois
filmes seguindo a mesma linha; foi convidado pela Warner
(distribuidora dos filmes da DC) a produzir o novo filme do
Superman (Homem de Aço). O novo filme do Superman estreou
esse ano, seguindo o modelo do Universo de Batman Begins,
arrecadou
646 milhões de dólares pelo mundo em bilheteria e já tem sequência
confirmada.
Diferente
do Batman ou do Superman, o Arqueiro Verde não é um herói
principal nos quadrinhos da DC, apesar de ter aparecido pela
primeira vez em 1941, suas histórias só fizeram bastante sucesso da
década de 1970 em diante, mas logo conseguiu uma vaga na liga da
justiça pelo carisma do personagem e por utilizar flechas especiais
– parecidas com as armas do cinto de utilidades do Batman. Em
Arrow, acompanhamos a trajetória do nascimento do herói em uma
estética mais realista do que a vista nos desenhos animados em que
ele aparece, seguindo assim a linguagem usada nos outros filmes da DC
já citados.
O
que estou defendendo é: o Arqueiro Verde não foi o personagem
escolhido por não possuir poderes especiais e, assim, ser mais
realista; pelo contrário, o que afirmo é que a estética realista
cinematográfica definiu não apenas o herói escolhido, mas também
como ele será retratado no mundo ficcional da série e do Universo
DC como um todo. Não será estranho para ninguém se produzirem
um filme da Liga da Justiça, daqui a alguns anos, e
convidarem o ator da série para viver o Arqueiro, mesmo o personagem
nunca tendo aparecido nos cinemas; fortalecendo o conceito de Derek
Johnson sobre franquia de mídia.
Partindo,
finalmente, para a os episódios pilotos das séries pretendo
analisar a proposta central de cada obra e como é estruturada a
disposição das cenas e o objetivo de cada elemento delas para
comprovar os argumentos acima – de que a proposta de Smallville é
focada no drama e de Arrow na ação realista.
A
primeira cena do episódio piloto de Smallville mostra alguns
meteoros voando pelo espaço e no horizonte se avista a Terra; em
seguida aparece uma legenda com a data de Outubro de 1989 e uma placa
indicando a cidade de Smallville como capital mundial do creme de
milho; corta para a capa de um jornal escrito: “CEO das indústrias
Queen desaparecido, dado como morto”. Essa informação é muito
importante pois mostra, antes do primeiro minuto de vídeo, que o
mundo do Superman não é isolado dos outros mundos da DC –
apenas esclarecendo que essa notícia se refere ao pai de Oliver
Queen, o Arqueiro Verde – ou seja, Smallville se propõe a
construir todo o Universo DC ao contar a trajetória de
Clark Kent como Superman. A seguir nos são apresentados Lex Luthor e
o seu pai; Lana Lang e sua tia; Jonathan e Matha (os pais adotivos de
Clark, que ainda não possuem filhos e sonham com um). Após a
apresentação dos personagens acontece a chuva de meteoros em que a
cidade é destruída; o pequeno Lex Luthor é atingido pela radiação
dos meteoros e perde o cabelo; os pais de Lana morrem; o pequeno
Clark aparece misteriosamente para Jonathan e Matha no meio de tudo
isso e eles percebem que o garoto veio junto com os meteoros.
Nesse
ponto há uma passagem de tempo para os dias atuais (ano de 2001) e
se desenrola uma cena de Clark adolescente (aproximadamente 17 anos)
em que tenta conseguir dos pais a permitição para entrar no time de
futebol. Todos os clichês familiares estão presentes ali; o pai
trabalhador, a mãe cuidadosa e preocupada com a alimentação da
família e o adolescente com seus problemas existenciais. As cenas a
seguir seguem o padrão “série adolescente dos anos 90” muito
semelhante a Dawson`s Creek e
Barrados no Baile: músicas alegres, o cenário são
os arredores da escola, os diálogos são sobre bailes, namorados e
times de futebol. Os outros personagens da trama são apresentados;
os amigos de Clark; Lana adolescente e seu namorado forte e
descolado; o vilão do episódio; Lex Luthor jovem e rico e o amor
platônico (e voyeur) de Clark por Lana ao som de música
romântica e lua cheia.
Destaco
aqui que a cena em que Clark observa Lana e o namorado por um
telescópio tem a duração de 2 minutos e 15 segundos, sendo que a
cena seguinte – em que o vilão mostra seus poderes – tem apenas
1 minuto de duração. Os próximos 15 minutos de episódio mostram o
drama familiar de Clark por ser diferente dos outros e sua amizade
com Lex. Há uma nítida relação de importância entre as cenas,
pensando nas durações de cada uma e essa relação se mantém até
o final do episódio: uma longa cena dramática – seja familiar, de
relacionamento amoroso ou de amizade, ou da descoberta dos poderes de
Clark seguida por uma crise existencial – seguida por uma curta
cena de ação com o vilão do episódio – que nesse caso é um
ex-aluno que pela exposição à kriptonita adquiriu o
poder de dar choque nas pessoas.
Outro
fato importante de se esclarecer é a forma como são mostrados os
poderes de Clark e de seus inimigos. Há um tom de fantasia em tudo;
na forma como Clark fica fraco ao ficar perto de uma pedrinha de
kriptonita; como os vilões são extremamente maus e
seus poderes adquiridos de forma misteriosa pelo contato com a
radiação das pedras. A estética fotográfica da série é bem
clara e colorida, as cenas gravadas a noite são sempre para reforçar
a tristeza e solidão dos personagens ou em lutas contra inimigos.
Em
Arrow, o primeiro take do episódio piloto é feito com uma câmera
subjetiva (o espectador vê como se fosse o personagem) correndo pela
floresta com uma música de tensão ao fundo e respiração ofegante;
a cena continua com o personagem correndo por entre as árvores,
saltando sobre rochas, se pendurando em galhos etc, tudo isso com
takes curtíssimos de 2 ou 3 segundos com a câmera sempre em
movimento. Em seguida vemos o rosto do personagem caracterizado como
náufrago com barba e cabelos compridos; ele pega um arco e acerta
uma flecha flamejante em uma pilha de madeira a muitos metros de
distância. Percebemos, então, que este não é um personagem
qualquer, é o Arqueiro Verde já como é conhecido nos quadrinhos. A
seguir temos uma narração em off do Arqueiro enquanto ele é
resgatado por um grupo em um barco de pesca. Na narração ele
explica sobre a ilha em que estava preso por cinco anos, que só
tinha um objetivo durante esse tempo – sobreviver. Explica que teve
que se transformar em uma arma para sobreviver na ilha e que não é
mais o garoto que sofreu um acidente de barco a cinco anos, agora ele
vai levar justiça às pessoas que envenenaram a sua cidade natal.
Encerra dizendo “Meu nome é Oliver Queen”.
Um
início muito diferente de Smallville: sem apresentações de
personagens secundários, sem infância ou dramas familiares e,
principalmente, sem fantasias ou ficções inverossímeis como uma
chuva de meteoros. A seguir uma matéria de telejornal cumpre uma
dupla função: apresentar o passado de Oliver Queen e como ele foi
parar na ilha, de forma bem sucinta e direta, e apresentar a estética
e padrão de cores do personagem – letras garrafais em tons de
verde irão rodear a tela durante toda matéria. Há o drama
familiar? Sim, mas este não é o ponto principal do episódio e,
diferente de Smallville, ocupa pouquíssimo tempo em relação às
cenas de ação.
Outro
contraste é notado se compararmos as trilhas sonoras. Em Arrow não
há clima juvenil/escolar ou músicas alegres de pop rock; pelo
contrário, a trilha – presente em quase todo o tempo do episódio
– é composta de música instrumental, basicamente de instrumentos
de corda como violino e violoncelo, imprimindo um tom pesado e
sombrio às cenas, inclusive nas cenas de reencontro com a família.
Finalmente,
aos cinco minutos de vídeos, somos apresentados à Laurel em uma
firma de advocacia onde trabalha. Somos informados que sua irmã
estava no barco juntamente com Oliver, o que gera um foco de tensão
entre os personagens. Essa tensão durante o episódio será
explorada em relações de amor e ódio entre os personagens,
colocando a personagem de Laurel no mesmo ponto que a personagem de
Lana (em Smallville), porém com menos melodrama (e menos voyeurismo)
envolvendo os personagens.
Como
último ponto de análise vou falar sobre os flashbacks
constantes na narrativa de Arrow. Ora sobre os acontecimentos do
naufrágio e da ilha em que ficou preso, ora sobre sua vida e
relacionamentos antes da ilha, os flashbacks são importantes para
aproximar o espectador da origem e sentimentos dos personagens da
trama. Neles vemos o antigo Oliver Queen e toda a sua falta de
caráter ao viajar com a irmã da sua namorada, as escolhas difíceis
que ele teve que fazer para sobreviver na ilha e sua relação frágil
com o pai e familiares, ou seja, vemos através de curtos flashbacks
– em média 1 minuto para cada – o que é mostrado como principal
e ocupa maior tempo em Smallville.
Para
completar a comparação das séries com uma semelhança, durante as
dez temporadas de Smallville vimos aos poucos outros personagens e
elementos do Universo DC sendo incorporados na série até o
final em que Clark assume sua postura de Superman e se revela ao
mundo. Essa mesma lógica de incorporação do Universo está
presente em Arrow. Notícias já circulam informando que outros
personagens de HQ da DC farão parte da série nas
próximas temporadas.
Por
fim, é
possível perceber
um
esforço dos autores, e produtores, de TV
em seguir tendências de sucesso estabelecidas em cada época para
conquistar o público; seja por meio de super heróis fantasiosos e
melodramáticos ou por super heróis realistas e sombrios. O que
vemos impressos nessas séries é um conjunto de padrões já
acompanhados pelo público em outros programas de televisão e nos
cinemas.
Referências
Bibliográficas:
JOHNSON, D.
Franchising
Media Worlds: Content Networks and the Collaborative Production of
Culture.
University of Wisconsin-Madison, 2009.
JENKINS,
Henry, Cultura
da Convergência.
São Paulo: Aleph, 2008.
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